Espião, Netflix, Séries, Netflix
Para definir o plano de divulgação de Fuller House – sequência de 2016 do seriado Full House, dos anos 80, que ganhou no Brasil o título de Três é demais, o serviço de streaming Netflix realizou um cuidadoso experimento.
Foram criados cinco versões de cartazes: com imagem das três protagonistas; da cidade de São Francisco; da ponte Golden Gate; dos atores mirins da série, e, por fim, da fachada da casa na qual se realizaram as gravações. Explicou Todd Yellin, diretor de inovação da Netflix: Algumas centenas de milhares de espectadores viam uma versão, enquanto outra era mostrada a outros grupos.
Isso sem que soubessem que estavam sendo avaliados. O resultado a que trazia a foto da Golden Gate teve uma aceitação maior. Em alguns programas, essa diferença é de até 30% Com isso, definiu-se quais seriam os cartazes escolhidos para divulgar o programa- com a particularidade de que a imagem varia de país para país, de acordo com as preferências locais. Esse tipo de pesquisa que a Netflix, a maior rede de televisão online do planeta, vem realizando com seus 75 milhões de clientes (dos quais 2 milhões são brasileiros) com o objetivo de chamar atenção para suas produções – e tecer estratégias de negócios.
O laboratório da Netflix se baseia em um enorme banco de dados. Esse serviço de streaming responde hoje por 37% de todo o tráfego da internet na América do Norte. Desde 2011, lidera o consumo de dados digitais no continente. Um dos segredos do sucesso da empresa é a forma eficaz como seus algoritmos – os códigos computadorizados que ordenam, automaticamente, o site e os aplicativos da companhia – coletam e tabulam informações dos usuários, sem que eles tenham ciência disso.
Caso você seja um desses clientes, a Netflix sabe a quais filmes e séries assistiu, se desistiu de algum vídeo no meio (e o exato segundo em que tomou essa decisão), os gêneros de ficção e não ficção de que mais lhe agradam etc. Trata-se de um levantamento realizado desde 2007, ano em que a empresa, antes restrita á entrega de DVDs, passou a oferecer na web, para assinantes, o seu catálogo on-line.
O recurso, no entanto, intensificou-se de modo expressivo a partir de 2013, com o lançamento da primeira produção a ostentar a marca de serviço, a premiada House of Cards. Tudo na criação da série, que acompanha a ascensão do político democrata Frank Underwood á Casa Branca, levou em conta os dados coletados, Por exemplo, a escolha do diretor e produtor executivo, David Fincher, se baseou no fato de que quem assiste á Netflix costuma apreciar trabalhos desse cineasta. A tática funcionou. Estima-se que até um em cada dez assinantes (ou seja, em torno de 7,5 milhões de pessoas) tenha visto ao menos um dos episódios.
Além disso, a estratégia serviu de alicerce para que a Netflix passasse a ouvir sempre o que seus algoritmos têm a dizer antes de divulgar um filme ou uma série. Não se dispensa, é claro, a qualidade artística, que ainda se sobrepõe. Há produção que, mesmo com o incentivo dado pelos algoritmos, não vingaram, como Hemlock Grove, seriado de terror que durou somente três temporadas e foi um fracasso de crítica e público. Já outras são bancadas sem que estejam, necessariamente, balizadas pelas informações coletadas nos bancos de dados do serviço streaming.
Esse é o caso da nova empreitada do brasileiro José padilha, o festejado diretor de Tropa de Elite, que no ano passado fez Narcos para a Netflix. Trata-se de Operation Car Wash (Operação Lava Jato), cuja história será inspirada no atual cenário político brasileiro. Ela foi aceita mais pela sua relevância do que por aquilo que os dados poderiam revelar. A coleta ostensiva de informações digitais não é uma invenção da Netflix. A estratégia nasceu e cresceu com o advento da internet.
O grande divisor de águas foi a entrada do Google na jogada, na virada dos anos 2000, quando o site deu início a experimentos online com o propósito de determinar quantos resultados deveriam aparecer em sua primeira página de buscas. Hoje, a tática é a base do sucesso comercial da grande maioria das empresas nascidas no mundo conectado. É preciso, contudo, cuidado para não ultrapassar limites e acabar por invadir a privacidade de quem quer que seja. Um exemplo ruim veio do Facebook em 2014.
Para compreender como posts afetam o humor das pessoas, o site manipulou as publicações que apareciam no perfil de 700 000 usuários. Exibiram-se notícias de cunho negativo a uns e de viés positivo a outros. No fim das contas, os que encararam posts depressivos acabaram se sentindo mais tristes; já os do outro grupo expressaram alegria. O problema é que ninguém foi avisado do experimento, ou seja, jogou-se com a sensibilidade do público sem pedir licença. Essa, entretanto, é a demostração do mau uso do recurso. Quando ele é bem aplicado, como na Netflix, tende a agradar -e, claro, trazer bons lucros.
A escolha do protagonista de House of Cards foi assim: descobriu-se, pela análise de dados disponíveis dos clientes, que quem assistiu ao original britânico, modelo da versão americana, também gostava de filmes com Kevin Spacey. Pronto – estava decidido o nome do ator principal da série, ganhadora de dois Globos de Ouro.
A Netflix percebeu que tem no máximo noventa segundos para conquistar a audiência, antes que o espectador se desconecte ou escolha outro passatempo. Para não perdê-lo, o serviço usa algumas estratégias: os vilões prevalecem sobre os heróis; as fotos valorizam closes de rostos expressivos: e não costuma ter mais de três personagens no cartaz de divulgação das produções ofertadas.
Para selecionar a imagem de divulgação do documentário THE SHORT GAME, sobre golfe, foram testados dois cartazes, exibidos para grupos distintos de espectadores. Um teve 14% de sucesso (a cada 100 visualizações, catorze pessoas assistiam ao filme): e o outro 6%. Não é preciso dizer qual foi o escolhido.
Informações via Revista Veja