“É curioso como a liberdade de imprensa ainda ocupa e preocupa as nossas mentes nos dias de hoje, depois de tanto tempo. O ideal seria se já tivéssemos suplantado isso. Me causa estupor esse tema ainda render debates”, afirmou a ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na tarde desta segunda-feira (11/6).
A declaração foi dada pela ministra no terceiro e último painel do seminário “30 anos Sem Censura: a Constituição de 1988 e a Liberdade de Imprensa”, realizado no STF, em Brasília. “Novas mídias: fatos, versões e fake” foi o tema do painel que reuniu jornalistas e especialistas para debater um dos assuntos mais discutidos no País atualmente, as notícias falsas e seus impactos na vida dos brasileiros e na democracia.
“A disseminação desse tipo de notícia não é algo novo, o problema é que hoje elas se difundem com uma velocidade incrível. Elas não só podem fazer um estrago na reputação de pessoas e empresas, mas ameaçam a democracia”, disse o jornalista Valdo Cruz, coordenador do painel.Pesquisador, publicitário e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketink, Fabro Steibel falou sobre bots (robôs virtuais) e fake news.
O especialista destacou que em ano eleitoral estas ferramentas podem colocar o pleito em risco. “Nas eleições de 2014, os robôs chegaram a gerar mais de 10% do debate na internet. O grande motor de tudo isso é a publicidade e o lucro gerado a partir dela”, afirmou.
Steibel citou o fenômeno ocorrido no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, quando bots foram usados estrategicamente para espalhar boatos falsos a respeito do passado da parlamentar.
O pesquisador explicou que, apesar dos efeitos altamente danosos da prática, é possível identificar os responsáveis pela disseminação dessas informações. “A boa notícia é essa, os robôs deixam rastros. Se seguirmos os recursos eleitorais usados para financiar esses bots é possível identificá-los”, afirmou Steibel.
Ele citou ainda que mídias como Twitter e Facebook têm criado regras mais claras para incentivar apenas o uso de robôs do bem.O jornalista Cláudio Dantas, do sítio Antagonista, questionou a plateia justamente sobre o porquê de essas empresas não barrarem os perfis falsos. “Isso é um negócio e um negócio muito lucrativo.
A coleta de dados pessoais dos usuários é, hoje, o novo tesouro deste mercado”, disse. Segundo ele, muitos políticos divulgam notícias falsas em campanhas para denegrir a imagem de concorrentes e acabam gerando um “efeito manada” para atrair eleitores ao seu polo de debate.
Qualidade“Notícia falsa se combate com mais liberdade de imprensa e com jornalismo de qualidade”, afirmou Felipe Recondo, um dos criadores e diretor de Conteúdo do Portal J. Ele destacou também o desafio enfrentado pela imprensa na busca por informações. Recondo afirmou que, quanto maior o volume de dados e a transparência do Judiciário, do Executivo e do Legislativo, mais notícias confiáveis poderão ser produzidas.
O advogado e jornalista Miguel Matos, editor do informativo jurídico e eletrônico Migalhas, falou sobre o perigo de o combate às notícias falsas colocar em risco a liberdade de imprensa.
Para ele, notícias erradas, sensacionalistas ou boatos não podem ser confundidas com fake news, que são notícias fabricadas com a intenção de obter um ganho político ou financeiro, muitas vezes baseadas em fatos verdadeiros para contar uma mentira. “A melhor forma de atuação do Poder Judiciário é com a educação, estimulando as pessoas a não compartilharem o que não se tem certeza se é verdade”, disse.
Para Matos, o chamado direito ao esquecimento, a permissão para retirada imediata de notícias supostamente falsas, é uma nova censura que se reflete diretamente nas novas mídias, em especial nos pequenos blogs.
Diretora-executiva do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho, a professora Maria Tereza Sadek destacou a importância do debate promovido no seminário. “A liberdade de expressão é fundamental porque [é a base de todas as outras liberdades. Ela não só está na Constituição, como é a primazia básica do direito”, afirmou.
Estudo conduzido pelo DPJ obtido a partir de informações de processos existentes em cadastros pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), revelou que a Justiça Eleitoral é responsável por 25% dos processos que envolvem liberdade de imprensa no País.
A maioria dos casos – 68,7% – é de processos contra veículos de imprensa que tramitam na Justiça estadual.
Paula Andrade e Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias